Cérebro e falsas memórias
- Anelise Pirola

- 19 de jul. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de mai. de 2024

Sabe quando você tem certeza que deixou algo em determinado lugar e não está lá? Ou quando você e outra pessoa lembram-se do mesmo evento, mas de formas diferentes?
Frases do tipo:
“Eu me lembro de ter guardado isso na pasta, mas não está lá, alguém deve ter mexido!”
“Como assim? Tenho certeza de que no dia que te disse isso estávamos na praia!” (Mas a sua lembrança é de estar em outro lugar).
“Olha, você nunca sabe onde guarda suas coisas,
mas ontem colocou as chaves sobre a mesa, então devem estar lá.”
Quantas situações assim acontecem no seu cotidiano que te deixam intrigado, com a certeza de que os objetos procurados estavam em lugares diferentes de onde foram encontrados ou de recordar-se de algo do passado e outra pessoa lembrar diferente de você.
Como justificar esses acontecimentos? Será que estamos perdendo a capacidade de armazenamento das informações?
Ou será parte do processo do envelhecimento ou um quadro de demência?
Não se preocupe! Mesmo em cérebros sadios fatos como esses ocorrem, fazem parte do funcionamento normal da memória. Estamos sujeitos às distorções da memória em qualquer fase da vida, afinal, a memória não é uma máquina capaz de registrar tudo literalmente, sempre escapa alguma coisa. Claro que com a idade avançando, temos uma sobrecarga de memórias e fatos assim podem ocorrer com mais frequência.
Essas distorções de memória são as falsas memórias, que fazem com que nos lembremos de coisas que não ocorreram ou que recordemos parcialmente e, às vezes, misturando as lembranças de mais de um evento.
Um dos fatores que influenciam nas recordações é a emoção envolvida naquela lembrança.
Tente se lembrar do dia do seu primeiro emprego. Agora tente se lembrar do dia do primeiro emprego de alguém próximo a você. As lembranças são diferentes, não são? Isso porque a carga de emoção dessa vivência é alta, o seu primeiro dia no emprego remete a muito mais emoção que de outra pessoa. Então recordar-se de eventos de conteúdo estimulante, sejam eles positivos ou negativos, tem maior impacto na recuperação da memória do que conteúdos neutros.
Serão as falsas memórias mentiras?
Quando se conta uma mentira, a pessoa tem consciência de que aquele fato contado por ela não ocorreu. Já nas falsas memórias, a pessoa acredita que realmente aquilo aconteceu, que teve aquela vivência.
Então não, falsa memória não é mentira. Falsa memória tem base neurofisiológica e cognitiva, da mesma forma que as memórias “verdadeiras”, já a mentira….. é outra coisa!
Muitas pesquisas sobre as falsas memórias são desenvolvidas no mundo. Uma das áreas mais interessadas em entender esse funcionamento é a área jurídica, que em muitos casos depende do relato de indivíduos que se baseiam apenas na memória como prova de julgamentos. Em um crime quantas emoções estão envolvidas, quantas falsas lembranças podem surgir.
As falsas memórias podem ocorrer por duas formas: autossugestão ou sugestão. Ou seja, pode ser um processo do próprio funcionamento da memória ou por sugestão do ambiente.
Aquela cena da pessoa dizendo: Olha, você nunca sabe onde guarda suas coisas, mas ontem colocou as chaves sobre a mesa, então devem estar lá (mas não estão) – é um exemplo de informação sugestionada, induz você a lembrar de algo que pode não ter ocorrido.
Da mesma forma acontece com as experiências vividas, vamos recordando de situações que se assemelham com outras vivências e as tomamos como reais.
Diz se o cérebro não é algo intrigante!!!
Anelise Pirola, psicóloga, neuropsicóloga e treinadora de Neurofeedback. Atua na Bela Vista, em São Paulo. Vive o envelhecimento e fez dele seu trabalho.
Fonte: Santos, Renato F., Abordagem experimental no estudo das emoções e falsas memórias, Porto Alegre, 2006.





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